quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Formatura da 2ª Turma de Mediadores Sociais do CEF 602

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=RYo6OYEixHE O Programa Alternativo do último sábado (17) mostrou a formatura de uma turma de mediadores de conflito do Projeto Estudar em Paz. O projeto, desenvolvido pelo Centro de Ensino Fundamental 602 do Recanto das Emas, ajuda professores e alunos no combate à violência no contexto escolar e também fora da sala de aula. A ideia dos coordenadores é que o projeto se estenda para toda a comunidade escolar, diminuindo assim casos de vandalismo, ameaças dentro e fora da escola, brigas entre alunos e conflitos entre gangues da região. O Programa, apresentado pelo SBT, vai ao ar sempre aos sábados, às 13h15, e mostra entrevistas e matérias referentes à realidade da educação no Distrito Federal. Um dos objetivos é oferecer a oportunidade para que escolas e professores participem da discussão e enviem sugestões para os próximos programas. As pautas podem ser mandadas para o e-mail faleconoscoimprensa@sinprodf.org.br.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Primeiro projeto de 2012 sugere disciplinas de cidadania e ética nos ensinos fundamental e médio



O ensino médio pode passar a ter, em sua grade curricular, a disciplina Ética Social e Política, enquanto o ensino fundamental pode incluir estudos de Cidadania, Moral e Ética. É o que propõe o senador Sérgio Souza (PMDB-PR) no primeiro projeto apresentado no Senado em 2012. Recebido pela Secretaria-Geral da Mesa nesta segunda-feira (2), a proposta só receberá numeração no reinício dos trabalhos parlamentares, em 2 de fevereiro.
O projeto modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para reintroduzir no ensino uma disciplina semelhante às antigas Educação Moral e Cívica (EMC), ministrada aos alunos nos primeiros anos escolares, e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), dirigida aos estudantes de nível médio.
“Estou convencido que, dessa forma, estaremos oferecendo à sociedade instrumentos para o fortalecimento da formação de ‘um melhor’ cidadão brasileiro: por um lado, pela formação moral, ensinando conceitos que se fundamentam na obediência a normas, costumes ou mandamentos culturais, hierárquicos ou religiosos; de outro, pela formação ética, ensinando conceitos que se fundamentam no exame de hábitos de viver e do modo adequado da conduta em comunidade, solidificando a formação do caráter”, afirmou o parlamentar.
Atualmente, o ensino de ética encontra-se entre os chamados temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), como parte de um conjunto de assuntos que perpassam todas as disciplinas.
Sérgio Souza avalia, porém, que as novas disciplinas contribuirão para sedimentar uma visão crítica dos principais fatos sociais e políticos, oferecendo ao jovem noções de democracia sem caráter ideológico e ensinando como construir um pensamento político próprio.
Outras propostas
Em 2006, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) apresentou proposta de teor semelhante. O projeto de Simon acrescenta e altera dispositivos na Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no ensino fundamental e médio, e nos cursos de formação de professores da educação básica, componente curricular dedicado ao desenvolvimento de valores éticos e de cidadania. Aprovada em caráter terminativo pela Comissão de Educação (CE), o projeto de Simon foi posteriormente arquivado pelo Plenário da Câmara, juntamente a um projeto do deputado Paes Landim (PTB-PI), ao qual fora apensado.
Mais recentemente, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 3.993/2008, do deputado Humberto Souto (PPS-MG), também foi apensado ao PLC 1.399/2000, do deputado Paes Landim, do qual resultou um substitutivo que desde então se encontra em exame na Comissão de Finanças e Tributação.
A proposta do deputado inclui na grade curricular obrigatória a matéria “Ética e Cidadania”, contemplando “a transmissão e desenvolvimento dos conceitos de ética e de valores morais, como reflexão da conduta humana; o estudo dos direitos e deveres do cidadão; o estímulo à ação comunitária e participação democrática, embasada em valores como respeito mútuo, justiça e solidariedade”.
Fonte: Agência Senado

Comissão de Segurança votará neste ano projeto de combate ao bullying



A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara pode votar neste ano um substitutivo para 11 projetos sobre bullying (PL 1785/11 e outros). O texto foi elaborado pelo deputado William Dib (PSDB-SP) e traz diretrizes para a ação da sociedade no combate e prevenção ao bullying. Essa prática se caracteriza por agressão física ou verbal feita de forma intencional e repetida com o objetivo de constranger, intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima.
O texto prevê a adoção de medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying em instituições de ensino públicas e privadas e em clubes e agremiações recreativas. Essas instituições deverão adotar programas que incluam a capacitação de professores, funcionários e equipe pedagógica para implantar ações contra o bullying; a integração da comunidade e das famílias nessas ações; a identificação de eventuais praticantes e vítimas de bullying; e a responsabilização e mudança de comportamento dos agressores.
Entre outras medidas, o substitutivo prevê a criação de um serviço de atendimento telefônico pelos órgãos públicos para receber denúncias de bullying. O texto também descreve o cyberbullying (uso da internet para atingir a honra e a imagem de pessoa, incitar a violência, adulterar fotos, fatos e dados pessoais) e prevê o estímulo à solidariedade para evitar os trotes universitários.
Sofrimento
O deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP) ressalta que o bullying começou a ser estudado em países europeus devido ao alto índice de suicídios de jovens, o que demonstra a gravidade do sofrimento provocado por agressões e humilhações constantes no ambiente escolar.
Os efeitos do bullying são minimizados se uma criança chega em casa e diz para o pai ou para a mãe que está sofrendo. O grande problema é que essa criança se tranca no quarto e ninguém fica sabendo do sofrimento que ela tem. A gente quer ajudar os pais a perceber a mudança de comportamento do filho para detectar se ele está sofrendo bullying ou não. Depois de ocorrido, é preciso saber o que fazer com essas crianças, saber como diminuir esse trauma tão forte.”
Segundo o pediatra Aramis Lopes Neto, presidente do Departamento Científico de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria, muitos pais não dão valor ao sofrimento da criança, minimizando o problema ou até criticando o filho por sofrer com algo que, para eles, é inofensivo e natural.
Para Lopes Neto, no entanto, é necessário combater o bullying. “É uma atitude agressiva, é uma violência, gera sofrimento para a vítima e pode gerar a perpetuação desse comportamento agressivo a quem o pratica”.
Após análise na Comissão de Segurança Pública, o substitutivo que propõe o desenvolvimento de política antibullying em escolas e clubes será analisado por outras três comissões da Câmara (de Educação e Cultura; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania).
Íntegra da proposta: PL-1785/2011
Fonte: Agência Câmara

sábado, 29 de outubro de 2011

O REGRESSO DA PAZ NEGATIVA?



José Manuel Pureza*
Tatiana Moura*

A relação entre cultura da paz e tolerância está longe de ser
consensual. Entendida esta como um conjunto de mecanismos simbólicos
que contrariam o senso comum conflitualista, naturalizador da violência em
todas as escalas, impõe-se constatar que o seu núcleo essencial é habitado
por uma tensão não resolvida entre igualdade e diferença. Em bom rigor, a
cultura da paz assume-se como um tecido combinatório da salvaguarda das
especificidades diferenciadoras com a aspiração à não discriminação
igualizadora.
Acresce que não há um terreno conceptual da paz definitivamente
estabilizado que confira um estatuto igualmente definitivo – de mérito ou
de inutilidade – à tolerância. Na verdade, o próprio alcance da noção e da
experiência de paz tem percorrido uma trajectória longa que conduziu de
um entendimento minimalista da paz como suspensão do conflito a uma
representação muito mais exigente, feita não de abstenção mas de
interacção deliberada, que acentua o carácter indissociavelmente
multidimensional e trans-escalar da experiência social da paz. No meio
desta viagem conceptual, o cruzamento entre crítica feminista e peace
research veio-nos oferecer uma compreensão singularmente complexa e
ambiciosa da noção de paz (e das violências a que ela se opõe).
Comungando com outras expressões do pensamento crítico de um intuito
desconstruidor de quaisquer universalismos essencializados, o feminismo
pacifista assume essa tensão entre igualdade e diferença como seu
elemento fundador.
É neste duplo contexto – por um lado, de tensão fundadora entre
igualdade e diferença e, por outro, de geometria variável da substância da
paz – que importa interrogar o lugar da praxis tolerante no quadro da
* Núcleo de Estudos para a Paz (CES-FEUC)
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cultura da paz. Fá-lo-emos numa sequência de três pontos. Em primeiro
lugar, ensaiaremos uma cartografia elementar dos conceitos de paz, usando
como critério a correspondência a diferentes formas de violência,
conferindo especial destaque à noção de paz feminista e aos seus
conteúdos. Num segundo momento, analisaremos as virtualidades que o
conceito de tolerância transporta consigo enquanto dispositivo estratégico
(Aurélio, 2001: 181) e interrogaremos a sua adequação aos diferentes
patamares de construção envolvidos na polissemia da paz. Esse juízo geral
de (in)adequação será enfim afinado face à especificidade da compreensão
feminista da paz, no que constitui, cremos, um teste radical à validade do
recurso à tolerância como ferramenta de construção da paz.
1. A CADA VIOLÊNCIA SUA PAZ
Etnocentrismo, fundamentalismo ideológico, reducionismo estratégico
e realismo político são os ingredientes principais de um senso comum de
perfil conflitualista que naturaliza a cultura de violência dominante no
nosso tempo (Booth, 1998: 32). Trata-se, pois, de um senso comum que
assenta sobre uma incapacidade quase absoluta de olhar o mundo pelos
olhos dos outros, sobre a convicção de que as diferenças entre
representações da realidade segregadas por cada pré-compreensão
ideológica são insuperáveis e sobre um entendimento determinístico e
mecanicista da política como power politics crua.
Este senso comum conflitualista adquire hoje a qualidade de cultura
instalada, projectando-se como modo elaborado de (des)legitimação e
práticas sociais adversariais, segundo uma visão a preto-e-branco que se
chega a reclamar de científica. A matriz desta cultura política é a
diabolização do outro, a oposição entre amigo e inimigo (Pureza, 2001: 11),
que Galtung (1996: 271) sintetizou no que chamou de “síndrome DMA”
(dicotomização, maniqueísmo, Armagedeão) como expressão de uma
compreensão bipolar da realidade, articulada sobre a oposição irredutível
entre “lado lunar” e “lado solar”, positividade e negatividade. Por seu
turno, Vicenç Fisas (1998) agrupa os fundamentos da cultura da violência
em torno dos seguintes elementos: o patriarcado e a mística da
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masculinidade; a procura de liderança, de poder e de domínio; a
incapacidade de resolver pacificamente os conflitos; o economicismo
gerador de desintegração social, e o seu princípio de competitividade; o
militarismo e o monopólio da violência por parte dos Estados; os interesses
das grandes potências; as interpretações religiosas (que permitem matar
outras pessoas); as ideologias exclusivistas; o etnocentrismo e a ignorância
cultural; a desumanização (ou a objectificação do ‘outro’); a manutenção
de estruturas que perpetuam a injustiça e a falta de oportunidades e
participação.
As práticas de violência que se abrigam sob o guarda-chuva conceptual
de cultura da violência são diversas.
Johan Galtung usa dois eixos no seu mapeamento das violências: por
um lado, o eixo pessoal-estrutural; por outro, o eixo directa-indirecta. A
violência em que existe uma clara relação entre o sujeito e o objecto é
manifesta, ou seja, é visível e directa enquanto acção, podendo ser verbal
ou física. Quando não existe este tipo de relação, a violência é estrutural,
indirecta, resultante da desigual distribuição do poder e tem na repressão e
na exploração as suas expressões concretas. A estrutura é o meio através
do qual a violência é transmitida. Galtung distingue também entre dois
níveis de violência, a violência manifesta e a latente. A violência
manifesta, seja pessoal ou estrutural, é observável. A violência latente é
algo que não observamos mas que existe, e pode surgir, dada a
instabilidade, a qualquer momento. A primeira é mais visível, a segunda é
silenciosa (1969: 173). A violência directa atinge directamente os seres
humanos, em resultado da acção de outros. A violência estrutural atinge
indirectamente os seres humanos, em resultado de estruturas repressivas.
Na tentativa de identificar relações causais entre os dois tipos de violência,
Galtung defende que a violência estrutural foi, nos seus primórdios,
violência pessoal. E quando a estrutura é ameaçada, aqueles que
beneficiam da violência estrutural tenderão a preservar o status quo de
modo a proteger os seus interesses. Nesta tentativa de defesa de interesses
podem recorrer à violência pessoal.
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Já em fase ulterior da sua elaboração, Galtung introduziu um novo
conceito de violência: a violência cultural. Definiu-a como qualquer
aspecto ou elemento de uma cultura, da esfera simbólica da nossa
existência, que pode ser usado para legitimar socialmente a violência na
sua forma directa ou estrutural. A violência cultural faz com que a
violência directa e estrutural sejam assumidas como correctas, ou que pelo
menos não pareçam erradas.
Galtung relaciona os três tipos de violência (directa, estrutural e
cultural) naquilo a que chama o triângulo da violência (1990: 294). A
diferenciação entre os três vértices faz-se com base nas temporalidades
distintas que os animam: “a violência directa é um facto, a violência
estrutural é um processo (...) e a violência cultural uma invariância, uma
permanência. (...) As três formas de violência incluem o tempo de modo
diferenciado, em termos que se assemelham, na teoria sísmica, à distinção
entre um abalo sísmico como um facto, o movimento da tectónica de
placas como um processo e a falha como uma condição permanente.”
(1996: 196). Identifica um fluxo causal, partindo da violência cultural,
passando pela estrutural e culminando na directa. Isto é, a cultura faz com
que vejamos a exploração e/ou a repressão como normais ou naturais, ou
que simplesmente não as vejamos. Para tentar manter ou sair dessa
violência estrutural recorre-se à violência directa. A violência pode
começar em qualquer um dos cantos do triângulo da violência directaestrutural-
cultural e ser facilmente transmitida aos outros vértices. O
“síndroma triangular” passa pela institucionalização de estruturas
violentas, internalização de uma cultura violenta e consequente
institucionalização e repetição da violência directa. Galtung sublinha que
se forem encontrados aspectos de uma cultura que legitimem a violência
directa e estrutural poderemos afirmar que existe violência cultural. E se
encontrarmos diversos e variados desses aspectos numa cultura, podemos
chamar-lhe cultura da violência.
A esta tripla definição de violência, por oposição ou negação, a peace
research faz corresponder três definições de paz. Ou seja, o conceito de
paz será tanto mais amplo quanto mais abrangente for a definição ou o tipo
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de violência. Deste modo, Galtung define paz enquanto ausência/redução
de todos os tipos de violência e como a transformação não violenta e
criativa dos conflitos (1996: 9). A paz é portanto a ausência de violência
pessoal ou directa, de violência física e verbal, visível e manifesta (como a
guerra) – a que chama paz negativa; e é a ausência de violência estrutural
e de violência cultural – ou paz positiva. A ausência de violência pessoal
não é portanto sinónimo de paz, é necessário também a ausência de
violência estrutural enquanto sinónimo de justiça social, e a paz cultural,
que legitimaria a paz directa e a estrutural.
O síndroma triangular da violência deve ser contrastado com o
síndroma triangular da paz, no qual a paz cultural gera a paz estrutural,
com relações equitativas entre os seus diversos elementos, e a paz directa,
com actos de cooperação e amizade (ibid.: 208).
Eis-nos, pois, diante de três círculos concêntricos em que a paz
assume ambições de significado progressivamente maiores. Assim, “a paz
positiva directa consistiria na bondade física e verbal, boa para o corpo, a
mente e o espírito do próprio e do outro; seria orientada para todas as
necessidades básicas, a sobrevivência, o bem-estar, a liberdade e a
identidade. (...) A paz positiva estrutural substituiria a repressão pela
liberdade e a exploração pela equidade, reforçando-as com diálogo em vez
de imposição, integração em vez de segmentação, solidariedade em vez de
fragmentação e participação em vez de marginalização. (...) A paz positiva
cultural substituiria a legitimação da violência pela legitimação da paz na
religião, no direito e na ideologia; na linguagem; na arte e na ciência; nas
escolas, universidades e media; construindo uma cultura de paz positiva.”
Esta concepção tri-etápica da paz, embora nos leve de uma
construção minimalista a uma representação bem mais ampla, oculta nessa
progressão diversos silêncios. Foi o desvelar dessas opacidades porventura o
aspecto mais saliente do cruzamento entre estudos para a paz e teoria
feminista. Com efeito, o propósito das teorias feministas sobre a paz e a
violência foi o alargamento dos conceitos de paz negativa e positiva de
modo a incluir no seu âmbito todos os tipos de violência que se manifestam
não só em escala macro-social mas também em relações de proximidade. A
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chamada paz feminista passou então a ser definida não só em termos de
abolição da violência organizada (guerra) em escala macro-social, como
também de violência não organizada, ao nível micro-social (na esfera
doméstica, por exemplo). A crítica feminista feita aos tradicionais
conceitos de paz englobou também a noção tradicional de segurança. Os
níveis de análise micro-social introduzidos pela perspectiva feminista de
paz vieram tornar mais evidente a incapacidade do modelo de segurança
tradicional para lidar com os novos riscos e as novas ameaças. Para o
feminismo, o paradigma de segurança estatocêntrico não pressupõe a
eliminação de violência, já que a sua hiper-concentração na segurança
entre Estados põe entre parênteses a insegurança inter-pessoal que se
reforça e perpetua de acordo com padrões culturais enraizados.
A abordagem feminista ao senso comum conflitualista vem assim
desafiar a inevitabilidade da ordem social dominante e da guerra,
questionando os fundamentos da natureza hierárquica da nossa sociedade.
Para as investigadoras da paz feminista, os valores masculinos de
competitividade, organização e exclusão apoiam e reproduzem um modelo
hierárquico de relações humanas, espelhado nos Estados, igrejas,
empresas, partidos políticos ou exércitos (Jeong, 2000: 78). A construção
estatal é assim um projecto masculino, patriarcal, um conjunto de crenças
e valores apoiados pelas instituições sociais e políticas dominantes,
sustentado pela ameaça do castigo. É por isso um sistema que encoraja a
complacência com a violência, que a constrói socialmente, que legitima a
guerra e a exploração e, por isso, constitui um obstáculo às tentativas de
construção de paz.
Este sistema patriarcal, ou sistema de guerra, como lhe chama Betty
Reardon (1985), encarna numa ordem social competitiva que
institucionaliza a dominação masculina em estruturas verticais, e é
legitimado pela cultura (Galtung, 1996: 40), e é colocada em prática
através de força coerciva. Existe uma pequena minoria, ou uma elite, que
controla as instituições através das quais esta força é controlada, elites
estas que de um modo geral são formadas por homens dos países
desenvolvidos, na sua maioria ocidentais (Reardon, 1985: 10-11). Para
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Reardon foi o sistema patriarcal que produziu a guerra, e não o contrário,
uma vez que os aspectos violentos deste sistema estão impregnados nas
nossas vidas afectando tanto as nossas relações inter-pessoais como as
internacionais. Estes conceitos e valores militaristas são apoiados e
mantidos pelo patriarcado, que incorporou as suas estruturas e práticas no
Estado, no quadro do paradigma básico de Estado-nação. O patriarcado é
assim a “parte central da estrutura conceptual que determina virtualmente
toda a acção humana, tanto pública como privada” (Reardon, 1985: 15),
reflectindo-se na nossa cultura, que reproduz a agressão, frustrando o
potencial humano total através da imposição de papéis sexuais rigidamente
definidos (ibid.: 20).
A denúncia destes tipos de violência, com ênfase na subjectividade,
no indivíduo, constituiu um dos passos mais importantes da investigação
feminista sobre a paz. A paz entendida à luz de uma cultura vestefaliana
torna-se, assim, incompleta, por ser um projecto excludente que se aplica
apenas a metade da população mundial. Por isso, se o sistema
estatocêntrico é assumidamente patriarcal, é incompatível com a paz e
com as novas noções de segurança, em particular com a segurança humana,
por promover relações desiguais que, na sua essência, são conflituosas
(Galtung, 1990).
É neste contexto que a proposta feminista passa também por uma
reconceptualização do conceito de poder, substituindo a noção de “poder
sobre” por uma noção de “poder com”. Isto significaria a substituição do
poder entendido como a capacidade de obrigar e dominar por uma lógica
de poder enquanto responsabilidade e capacitação (empowerment), que
estão na base de uma parceria (Reardon et al., 1999: 147).
2. A MAL-AMADA TOLERÂNCIA
Num primeiro olhar, a tolerância é uma ferramenta conceptual
confinada à pequena ambição da paz negativa. Nesse registo de superfície,
a tolerância carrega consigo dois ingredientes relacionais: de um lado, a
aceitação e confirmação de uma relação de poder desigual; do outro, a
aceitação e confirmação de um relação de alteridade.
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Mirabeau, em plena Revolução Francesa, ilustrava limpidamente o
primeiro: “A existência de uma autoridade que tem o poder de tolerar
atenta contra a liberdade de pensamento, pelo facto mesmo de que tolera
e, por conseguinte, poderia não tolerar”. Esta tolerância-comocondescendência
seria afinal “um dispositivo retórico destinado apenas a
esconder a realidade nua e crua da opressão” (Aurélio, 2001: 180). A
tolerância tem sempre um limite: toleramos até determinado ponto.
Toleramos até que interfiram com o nosso bem-estar. Por isso mesmo, a
tolerância configura-se como mais uma forma activa de regulação e de
exclusão.
Um segundo pressuposto da tolerância como recurso social ao serviço
da paz é a alteridade. Escreve a este propósito Diogo Pires Aurélio: “A
tolerância, com efeito, é uma relação entre diferentes e, nessa medida,
ela remete para uma situação concreta. Melhor ainda, a tolerância remete
para seres concretos: eu e o outro, quem tolera e quem é tolerado. E se há
lugar para ela, é porque há diferenças, transitória ou definitivamente
inultrapassáveis, entre um e o outro. Contrariamente ao princípio da
igualdade, o que a tolerância reconhece, antes de mais, é a diferença, ou
melhor, é a própria alteridade enquanto tal. Só tolero alguém,
verdadeiramente, quando reconheço a diferença que vai entre mim e ele,
sem presumir, à partida, que algum de nós terá de a transpor. Pode ser que
continuemos cada um na sua diferença, pode ser que o outro se renda, mas
também posso ser eu a render-me à verdade que ele defende.” (ibid.:
185).
A tolerância é pois evocada frequentemente perante o estranhamento
do outro. Como tal, tem a ver com distância, mantendo tudo e todos os que
sejam ‘diferentes’ afastados, determinando os seus limites e obrigações,
‘normalizando’ uma/essa diferença construída. Desta forma a tolerância
pressupõe a existência de um poder efectivo e eficaz que determine o que
é aceitável (e o que não é). Pressupõe, portanto, uma relação desigual
entre o ‘eu’ e o ‘outro’, recorrendo e tendo na sua base uma construção
identitária que serve acima de tudo os interesses de grupos de poder, que é
ditada segundo normas que nos incluem ou excluem.
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Na opinião de Diana Fuss, os binómios ou docotomias convencionais
(como homem/mulher, heterossexual/homossexual, guerra/paz, entre
muitos outros) foram construídos sobre os fundamentos de outra oposição
correspondente, o binómio ‘dentro’ e ‘fora’. E portanto toda a construção
identitária se baseou na “(…) simetria estrutural destas distinções
aparentemente fundamentais e na inevitabilidade de uma ordem simbólica
baseada numa lógica de limites, márgens e fronteiras” (1995: 113). Ou
seja, qualquer identidade se estabelece ou constrói por oposição, em
referência a um exterior, a um lado de fora, depende de estruturas de
alienação que produzem simultaneamente um ‘eu’ (ou nós) e um ‘outro’,
um sujeito e um objecto. E esta representação designa a estrutura da
exclusão, da opressão (ibid.: 114). Ou seja, estabelece os limites do
(in)tolerável, na medida em que só se atribui significado ao ‘lado de fora’
através da incorporação de uma imagem negativa. Simone de Beauvoir, em
O Segundo Sexo, denuncia precisamente o modo como esse ‘outro’ (ou
outra) se estigmatizou e se converteu num sujeito objectivado. Nessa
construção a mulher converte-se em alteridade absoluta, quando se criam
leis que procuram proteger os interesses do sujeito que as cria, ou seja, o
homem.
Situada na confluência entre poder e alteridade, a tolerância seria
assim entendível como um dispositivo regulador mas não transformador, de
paz negativa e não de paz positiva. Quer dizer, não constituiria mais do que
uma forma de manter divisões quando anteriores processos formais de
subjugação falharam ou dão sinais de esgotamento. Ao assumirmos a
existência de diferenças estaríamos implicitamente a situar-nos no lado de
‘dentro’ de uma determinada construção identitária, de um sistema de
poder. Ao advogarmos a tolerância estaríamos a perpetuar estratégias de
coexistência (how to keep them peacefully apart) e não de cooperação e
de inclusão, ou de superação de padrões de exclusão (how to bring them
actively together).
Ainda assim, porém, não será vazio o relacionamento entre tolerância
e paz. Não é um intuito de mero congelamento de posições adversariais ou
de identidades contrapostas que vai suposto nesta concepção de tolerância.
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Não, a função estratégica da tolerância é a de abrir caminho à prevalência
de um bem comum superior a cada uma das posições identitárias em
disputa: a viabilidade da sua comunicação recíproca sem redução
necessária de nenhuma delas à outra. Como recorda Pires Aurélio, a
tolerância assume-se como suporte de “um quadro normativo que impeça
as diversas ortodoxias de se molestarem reciprocamente, garantindo assim
esse bem maior que é a segurança comum.” (2001: 181). O que supõe,
portanto, um afastamento de quaisquer pretensões de universalização das
verdades parcelares ou de domínio hegemónico de identidades
particulares, em favor do reconhecimento do valor superior da paz em si
mesma. Em última análise, é a igual dignidade das diferenças que se
procura afirmar no gesto tolerante.
Pouco mais do que paz negativa, portanto, é certo. Mas nem por isso
ausência das dimensões estrutural e cultural da paz, e não só paz directa.
De algum modo, o sentido da tolerância como ferramenta da paz é
porventura tanto o de uma inquieta advertência como o de uma resignada
aceitação. A chamada de atenção para as dinâmicas de esmagamento que
se disfarçam sob a aspiração ao nivelamento e à interpenetração é de
muito maior actualidade do que habitualmente se apregoa.
3. IGUALDADE VERSUS DIFERENÇA: A FALSA DICOTOMIA
A tensão entre igualdade e diferença tem, como é bem sabido,
ocupado um lugar nevrálgico nos debates feministas contemporâneos. Na
realidade o feminismo, distanciando-se embora do projecto da
modernidade (iluminista), alimentou-se de muitas das suas ideias, em
particular do conceito de igualdade. O seu propósito é bem conhecido:
denunciar a falsa universalidade do sujeito abstrato que estava na base
deste conceito e as suas contradições, tendo-se por isso tornado, na
definição de Amelia Valcárcel, o “filho não desejado do Iluminismo” ou
ainda, na opinião de Celia Amorós, “um teste de coerência ao Iluminismo”
(Reverter, 2003: 34). Teorizou-se a igualdade para um sujeito concreto,
nada universal, ditando deste modo padrões de inclusão e de exclusão.
Como defende Valcárcel, “à reivindicação de igualdade respondeu-se com a
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naturalização do sexo. Que as mulheres fossem o sexo dominado era
desígnio da natureza, ordem inalterável, condição pré-política, e para
cumpri-la era também útil que se impedisse o seu acesso à educação e se
lhes proibisse o exercício de qualquer profissão” (in Reverter, 2003: 34).
Deste modo, a teorização e a construção da igualdade pressupôs
simultaneamente a construção das fronteiras da diferença (entendida
enquanto alteridade e exclusão), através de uma falsa oposição. Na
realidade, determinou os objectos (e não os sujeitos) da desigualdade, da
subordinação e da opressão.
A partir dos anos 70 a tensão entre igualdade e diferença (que
conduzem a diferentes posicionamentos dentro do feminismo) passa a
ocupar um lugar central na dialética feminista. O conceito de igualdade
torna-se altamente controverso, sendo considerado por muitas feministas
como um obstáculo para as diferenças. Alcançar a igualdade (com
pretensões universalistas, teorizada e construída para servir determinados
interesses, segundo padrões patriarcais) já não constitui o objectivo
principal, uma vez que isso anularia a subjectividade “feminina”,
moldando-a segundo um modelo masculino, e impediria a verdadeira
libertação das mulheres. Ou seja, para as feministas da diferença a
igualdade anula a subjectividade feminina uma vez que ‘calça’ as mulheres
com o modelo de subjectividade masculina. Por sua vez, para as feministas
da igualdade, o feminismo deve lutar para que as mulheres possam
constituir uma nova subjectividade que não seja a da dominação ou
exclusão, nem a do homem (Reverter, 2003: 42-44).
A dicotomia igualdade/diferença é, contudo, fictícia e construída.
Igualdade e diferença não são elementos dicotómicos de um mesmo par.
Joan Scott desconstrói este falso binómio, mostrando precisamente como a
oposição binária seria igualdade/desigualdade (e não igualdade/diferença),
e que a diferença, por sua vez, é um conceito plural na medida em que
abarca a diversidade que existe entre as próprias mulheres (ou entre os
homens) (in Luna, 2000). E o oposto desta diferença ou diversidade seria a
homogeneização ou a padronização. A construção do ‘outro’, da diferença,
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tem correspondido, contudo, à construção da desigualdade, de espaços de
(in)tolerância.
Não se trata, no entanto, de escolher uma ou outra opção, a igualdade
ou a diferença, na medida em que ambas são interdependentes e não se
excluem. Isto é visível nos discursos feministas. As defensoras do chamado
feminismo da diferença, a partir da criação de uma nova identidade, têm
também como objectivo último a igualdade. Em particular, esta procura de
igualdade é feita enquanto superação da desigualdade, e não da diferença
(Luna, 2000).
Boaventura de Sousa Santos sintetiza esta tensão entre igualdade e
diferença: “temos o direito a reivindicar a igualdade sempre que a
diferença nos inferioriza e temos o direito de reivindicar a diferença
sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Por isto mesmo algumas
feministas defendem que o potencial subversivo da identidade feminina
radica precisamente em manter-se ‘descategorizada’, em manter-se
afastada das classificações do pensamento patriarcal. Trata-se, portanto,
de reconhecer ou ‘dizer’ a diferença sem, por isso, gerar desigualdade
(Birules, 1998: 29 in Reverter, 2003: 45). O desafio, como salienta Lola
Luna (2000), é o de sair do dilema igualdade/diferença, se é que é possível
fazê-lo num contexto discursivo em que a igualdade foi (e é) definida por
um indivíduo abstracto masculino e a diferença sexual esteve na base de
todas as construções sociais.
Para onde aponta – em termos de intensidade da qualidade pacífica
das relações sociais nas mais diferentes escalas – esta denúncia feminista
do carácter socialmente construído da dicotomia igualdade/diferença? E
que lições devemos aprender daqui relativamente à utilidade da tolerância
– e, com ela, da paz negativa – diante dos novíssimos cenários de
conflitualidade?
Pensar a paz para lá do binómio igualdade/diferença devolve à
aspiração à paz negativa um lugar nobre que ela perdera porventura no
percurso evolutivo dos peace studies. O que o feminismo nos ensina de
mais importante a este respeito é que a coexistência respeitadora da
singularidade pode bem ser uma paz máxima. Sendo embora certo que,
13
para algum pensamento feminista (Reardon, 1985), a paz negativa é uma
maneira masculina de abordar os conflitos, ela é tanto mais paz máxima
quanto se colocar no centro da cultura de paz um entendimento
procedimental e de acumulação. Este entendimento exprime-se, creio que
particularmente bem, na construção da “paz imperfeita”.
Autores como Francisco Muñoz ou Vicent Martínez Guzman (2001)
sublinharam a importância de pensar a paz não a partir de um contraste
com a violência nas suas diferentes formas mas sim, em resultado de um
trabalho de inversão epistemológica, a partir da prevalência do horizonte
de paz, valorizando os “momentos de paz” que o vão antecipando.
Esta matriz modesta pretende romper com a ambição maximalista de
uma paz plena (de algum modo remetendo para a articulação galtunguiana
entre paz positiva directa, paz positiva estrutural e paz positiva cultural) e
superar o dualismo antagonista entre o pacífico e o violento, o bem e o
mal, aceitando que há um sem fim de situações intermédias sujeitas a
diversas dinâmicas (Martínez Guzmán, 2001: 69). É esta superação do
pensamento dicotómico, também no domínio dos estudos para a paz, que
constitui um contributo maior da denúncia feminista. Centrada sobre a
feitura, em cada momento, das pazes concretas, esta construção revela-se,
não obstante o seu alegado minimalismo, uma garantia forte da
singularidade. E é aí que reside o seu insubstituível papel instrumental para
a construção da paz.
14
Referências bibliográficas
Aurélio, D. P. (2001), “Tolerância e cultura da paz”, in Pureza, J. M. (org.),
Para uma cultura da paz. Coimbra, Quarteto
Booth, K. (1998), “Cold wars of the mind”, in Booth, K. (org.), Statecraft
and security. The Cold War and beyond. Cambridge, Cambridge
University Press
Fisas, V. (1998), Cultura de paz y gestión de conflictos. Madrid, Icaria
Fuss, D. (1995), Identification Papers: Readings on Psychoanalysis,
Sexuality and Culture. London, Routledge
Galtung, J. (1969), “Violence, peace and peace research”, Journal of
Perace Research 6, 3
Galtung, J. (1990), “Cultural Violence”, Journal of Peace Research 27, 3
Galtung, J. (1996), Peace by peaceful means. Peace and conflict,
development and civilization. Oslo, International Peace Research
Institute
Jeong, H. W. (2000), Peace and conflict studies. An introduction.
Aldershot/Burlington/Sidney/Singapore, Ashgate
Luna, Lola (2000), “De la emancipación a la insubordinación: de la igualdad
a la diferencia”,
http://creatividadfeminista.org/articulos/fem_lolaluna.htm,
consultada a 30 de Abril de 2004.
Martínez Guzman, V. (2001), “La paz imperfecta. Una perspectiva de la
filosofía para la paz” in Muñoz, F. (org.), La paz imperfecta. Granada,
Eirene
Muñoz, F. (2001), La paz imperfecta. Granada, Eirene
Pureza, J. M. (2001), Para uma cultura da paz. Coimbra, Quarteto
Reardon, B. (1985), Sexism and the war system. New York, Teachers
College Press
15
Reardon, B. et al. (1999), Towards a Women’s Agenda for
a Culture of Peace. Paris, UNESCO
Reverter Bañon, Sonia (2003), “La perspectiva de género en la filosofía”, in
Feminismo/s, Revista de Investigación Feminista, Universidad de
Alicante.

Fotos do núcleo de Mediação do CEF 602





terça-feira, 18 de outubro de 2011

Formatura da 1ª turma de mediadores de conflito do CEF 602 foi destaque do Programa Alternativo

Formatura da 1ª turma de mediadores de conflito do CEF 602 foi destaque do Programa Alternativo que foi ao ar no dia 15 de outubro de 2011 (dia dos professores)! Confiram:
http://www.youtube.com/watch?v=b_ymNKISp-U&feature=player_embedded